domingo, 18 de janeiro de 2009

Biblioteca Digital Camões: nota positiva baixa

Ficou aquém das expectativas. Mas surpreendeu num ponto. Passam 10 dias sobre o lançamento em linha da Biblioteca Digital Camões e chegou o momento de criticar.


Política de domínio público


Os livros clássicos em domínio público são fornecidos, até ao momento, por uma única editora privada (a Porto Editora).

Antes de descarregar o ficheiro é necessário manifestar que se concorda com a sua política de direitos autorais (em rigor, de direitos conexos):

O ficheiro apenas poderá ser lido em linha, impresso, ou guardado no computador. Não pode ser partilhado.

Infeliz.

Independentemente das parcerias e protocolos que o Instituto Camões mantenha com editoras privadas, e dos ganhos que possa obter com isso, é indecente ter de recorrer aos ficheiros produzidos por certas editoras para se apresentar aos utilizadores obras caídas no domínio público.

A BDC deve saber que As Pupilas do Senhor Reitor ou A Queda dum Anjo estão gratuitamente disponíveis em inúmeros sítios na Internet, sem entraves à sua circulação.

A Biblioteca Digital Camões deve retirar imediatamente todas e quaisquer restrições à livre difusão das obras caídas em domínio público. Se necessário, populando o seu acervo com outras fontes e esquecendo essa parceria com a Porto Editora.

Trata-se de uma parceria saloia que não revela senão que a BDC teme enfrentar os interesses económicos dos editores no que toca ao domínio público.

Nas palavras da Biblioteca:
« A Biblioteca Digital Camões tem autores e edições no domínio público, mas também em edições actuais, protegidas por direitos conexos (fixação de textos, notas críticas, prefácios e posfácios…etc.), obras protegidas por direitos e de autores vivos. Consequentemente, cada edição publicada terá um nível de acesso que é resultado da expressão de uma vontade conjunta do Instituto Camões, I.P., e do editor e/ou instituição proprietária da edição.»
Ora, a BDC, como um projecto de um instituto público, deve saber que:

Os direitos conexos sobre obras em domínio público (a fixação do texto, as notas críticas, os prefácios e posfácios, etc.) são precisamente os maiores entraves à livre circulação das obras na era digital.

As editoras aproveitam-se (legalmente) da possibilidade de acrescentarem esses conteúdos aos textos clássicos para protegerem (legalmente) as suas edições.

No entanto, o uso deste direito pelos editores contribui para enormes obstáculos à digitalização e circulação de obras clássicas por parte de utilizadores comuns. A pretexto de se incluírem nas obras caídas em domínio público notas de rodapé e prefácios (na maioria das vezes sem qualquer conteúdo útil), os editores amarram as mãos a milhares de voluntários que tencionam colocar em linha obras sobre as quais já não existem direitos de autor originários.

Se as editoras o fazem legitimamente, é impensável que um instituto público compactue com esta prática.

No mínimo, a BDC deveria apresentar, a par da versão protegida por direitos conexos (contendo os tais prefácios), uma versão pura, de acordo com o original, livremente partilhável.

Mas a BDC não peca por falta de honestidade. Assume:
«A Biblioteca Digital Camões não se pretende apresentar como alternativa ou um concorrente de editoras ou livrarias. É uma biblioteca. O trabalho dos editores é insubstituível e fundamental. O reconhecimento dos responsáveis pelas edições é também uma manifestação de respeito pelas pessoas que ganham a vida a fazer e a vender livros, e que aceitaram participar connosco nesta missão de divulgação da língua e cultura portuguesas no mundo.»

Dezenas de projectos voluntários disponibilizam gratuitamente milhares de obras caídas em domínio público. Voluntários que não ganham a vida a fazer e vender livros, mas perdem horas das suas vidas particulares e familiares a digitar obras para que possam ser gratuitamente lidas, descarregadas e partilhadas na Internet por falantes e aprendizes do Português em todas as partes do Globo.
A BDC parece não compreender, ironicamente, que no novo mundo digital os conteúdos em domínio público são mais e melhor produzidos por voluntários do que por editores.

Melhor faria se procurasse voluntários para digitalizar obras e as colocarem na BDC sem quaisquer limitações de partilha.

Em suma, na prática temos um instituto público a oferecer um acesso condicionado a conteúdos em domínio público, fazendo publicidade à versão em papel, que poderá ser adquirida num certo sítio electrónico de uma certa editora privada.

Indecente.

Merece por isso, quanto à política de disponibilização de obras caídas em domínio público, nota muito, muito negativa.

Suporte para dispositivos móveis

Surpreendente. A BDC pretende oferecer conteúdos preparados para dispositivos móveis: iPod, Palm, PocketWord, Telemóvel/Celular. Damos a mão à palmatória. Nunca pensámos que a BDC estivesse atenta a este fenómeno.

A BDC compreendeu uma das principais funcionalidades de uma biblioteca digital moderna: oferecer conteúdos em formatos que permitam ao utilizador não se confinar à secretária, podendo transportar milhares de livros no seu bolso.

Obviamente que a escolha dos formatos proprietários é questionável.

O formato EPUB não está disponível e é também de lamentar que não se tenha pensado nos dispositivos dedicados de leitura de livros electrónicos, dos quais o Ler Digital tem dado notícia e que revolucionaram a forma como se lerá no futuro.

Por outro lado, não só alguns, mas todos os livros do catálogo da BDC deveriam estar disponíveis para leitura em dispositivos móveis. (Quando a BDC iniciar o processo de conversão dos ficheiros, compreenderá melhor o que abaixo diremos sobre o formato PDF.)

A BDC precisa apenas de repetir os trabalhos de casa e estudar um pouco mais.

Pela intuição quanto às potencialidades de leitura em dispositivos móveis, merece nota positiva alta.

Formato dos ficheiros escolhido: o PDF

Não nos enganámos quanto previmos que a BDC escolheria o PDF como formato-padrão. Uma má escolha.

Apesar do utilizador comum estar familiarizado com o PDF e o considerar um formato insuspeito, o PDF é um quebra-cabeças no que toca à sua convertibilidade. É difícil converter ficheiros PDF para RTF ou HTML, apesar das inúmeras ferramentas disponíveis.

Para os livros que só contêm texto, a BDC deveria ter escolhido um formato ainda mais aberto. Ex.: RTF (legível em praticamente todos os editores de texto do mundo) ou o HTML (formato das páginas da Internet, legível em qualquer navegador).

O PDF pretende imitar a aparência do texto quando impresso numa folha de papel A4. O que não faz sentido numa biblioteca… digital.

Para mais, os dispositivos de leitura actuais (e, previsivelmente, os do futuro) terão dimensões inferiores ao A4. Isso tornará sempre difícil a sua leitura: as letras aparecerão muito pequenas ou será necessário aumentar/diminuir o texto repetidamente.

Ainda que os conteúdos fossem oferecidos em PDF, deveriam ser igualmente fornecidos em outros formatos.

Para além dos já referidos, a Biblioteca Digital Camões deveria disponibilizar imediatamente todos os livros numa versão EPUB, o recente padrão para livros electrónicos.

Merece, quanto ao formato padrão, uma nota negativa.

Principais conteúdos: crítica literária e História

Nada a apontar. É uma escolha que contribui para a diversidade. A maioria dos conteúdos disponíveis na Internet são de literatura.

Abstemo-nos de avaliar.

Literatura: poucos clássicos

Muito pouca literatura. Muito longe das obras completas dos principais escritores portugueses. Era previsível. Mas talvez com o tempo o acervo aumente.

Nota claramente negativa.

Resolução das imagens: satisfatória

As digitalizações de edições em papel que analisámos têm qualidade satisfatória para as submeter um reconhecimento óptico de caracteres. Tal é o caso das Gavetas da Torre do Tombo, ou dos Opúsculos de Etnologia. Merece nota positiva neste ponto e esperamos que assim suceda com os restantes parceiros.

A BNC deve exigir qualidade nas digitalizações, sob pena de não disponibilizar os ficheiros no seu acervo.

Nota positiva.

Classificação geral:
A Biblioteca Digital Camões merece nota positiva baixa. Apenas a salva a visão dada aos dispositivos móveis. Contudo, o projecto irá naturalmente crescer e esperamos que algumas das críticas que lhe apontamos sejam ultrapassadas num futuro próximo.

Boa sorte para a BNC.

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá.

Primeiramente, gostaria de te parabenizar pelo seu site. Muito completo, com artigos muito bem estruturados. Parabéns!

Segundo, estou aqui para lhe propor uma espécie de parceria. Sou dono do www.E-Book-Gratuito.Blogspot.Com, um site de download de e-books e livros totalmente grátis.
Temos a meta de disponibilizar uma vasta biblioteca virtual para todos que tiverem um acesso a internet.

A parceria seria muito simples: Você adicionaria o nosso link no site de vocês (No menu lateral), e eu adicionaria o link de vocês em meu site, também no Menu Lateral.

Me contate através de meu e-mail: ownedzao@yahoo.com

Muito Obrigado,
Luiz!

Teresa disse...

Foi um prazer visitar o seu blog, dou-lhe os parabéns pela qualidade de cada post. Serei visita frequênte.