sábado, 26 de julho de 2008

Grafemas, fonemas e desacordos

Sobre o Acordo Ortográfico, posição: sou globalmente a favor.

Defendo uma uniformização total na forma de grafar as palavras, quando tal seja possível. Isso implica um meio-termo entre a norma brasileira e a norma portuguesa.

Entendo, contudo, que o Acordo, mesmo antes de entrar em vigor, já está desactualizado. Para além de deixar muito a desejar. Foi, note-se, assinado antes do advento da Internet.

Sou contrário às ortografias alternativas ("fémea"/"fêmea", "eletrônico"/"eletrónico") e defendo que deveria escrever-se simplesmente "femea"/"eletronico" ou "fëmea"/"eletrönico"; sou contrário a que "pára" e "para" passem ambos a escrever-se "para", do mesmo modo que deveria ser repristinada a antiga ortografia "fórma/fôrma"; e considero as regras de hifenização confusas.

Concordo, no entanto, que se continue a escrever "facto" em Portugal e "fato" no Brasil (como dita o Acordo). Neste caso, é impossível conciliar as ortografias.

Estou certo que uma ortografia mais unificada permitirá poupar horas de trabalho a quem tem de converter textos do século XIX para o portugês moderno.

Com o aumento de obras nas bibliotecas digitais (que se prevê exponencial nos próximos anos) as quais, por razões de direitos de autor, usam exemplares com ortografias muito antigas, torna-se necessário agilizar o processo de actualização ortográfica.

Ora, criar uma versão actualizada para a ortografia brasileira e outra para a portuguesa é moroso e não tem qualquer eficácia em termos de aproveitamento de tempo.

Veja-se A Cidade e as Serras de Eça de Queirós antes e depois:

Pertence no Brazil o direito de propriedade d'esta obra ao cidadão Francisco Alves, livreiro editor no Rio de Janeiro, que, para a garantia que lhe offerece a lei n.º 496 de 1 d'Agosto de 1898, fez o competente deposito na Bibliotheca nacional, segundo a determinação do art. 13.º da mesma Lei. [ortografia de 1901]

Pertence no Brasil o direito de propriedade desta obra ao cidadão Francisco Alves, livreiro editor no Rio de Janeiro, que, para a garantia que lhe oferece a lei n.º 496 de 1 de Agosto de 1898, fez o competente depósito na Biblioteca Nacional, segundo a determinação do art. 13.º da mesma Lei. [ortografia de 2008, vigente em Portugal]

Pertence no Brasil o direito de propriedade desta obra ao cidadão Francisco Alves, livreiro editor no Rio de Janeiro, que, para a garantia que lhe oferece a lei n.º 496 de 1 de agosto de 1898, fez o competente depósito na Biblioteca Nacional, segundo a determinação do art. 13.º da mesma Lei. [ortografia de 2008, vigente no Brasil]

Convido o leitor a perder tempo a encontrar as diferenças e a imaginar o tempo necessário para produzir os ficheiros.

Considero os argumentos nacionalistas portugueses ridículos, tanto quanto os argumentos populacionais brasileiros.

Lamento que Portugal tenha ido ao longo dos tempos fazendo reformas ortográficas sem ouvir o Brasil, o mesmo lamentando do Brasil. Lamento que Portugal ainda não tenha aplicado o acordo nem avance uma data para tal (ver PUBLICO).

Em suma: numa época em que um cidadão médio navega por milhares de páginas na Internet e tanto se depara com textos oriundos do Brasil como de Portugal, considero que a confusão e a dualidade de grafias deve ser reduzida ao mínimo.


Edição: Três dias depois da redacção desta mensagem, foi publicado no Diário da República de Portugal (1.ª Série, n.º 145, de 29-07-2008), o Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, que ratificou o Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008.

1 comentário:

Teresa Coutinho disse...

Realmente este acordo ortográfico é obra de cabeças pensantes! Seria um desastre se uniformizassemos a escrita com os países de expressão portuguesa, porque a língua ainda é nossa e não o contrário. As mudanças apresentadas só iriam confundir mais a grafia portuguesa. É claro que sou contra o acordo ortográfico.